A Drª Maria Claudia Brito, escreveu uma série de 5 artigos sobre Autismo, Linguagem e Fonoaudiologia. Aí vai o segundo! Se você conhece crianças com autismo que apresentam comunicação verbal (falam), há uma significativa possibilidade de que perceba que elas comumente repetem palavras e frases ditas por outras pessoas.
AUTISMO E FALA: O QUE É ECOLALIA? COMO O FONOAUDIÓLOGO PODE AJUDAR?
Se você conhece crianças com autismo/transtorno do espectro do autismo que apresentam comunicação verbal (falam), há uma significativa possibilidade de que perceba que elas comumente repetem palavras e frases ditas por outras pessoas e também, por exemplo, ditas em comerciais, desenhos animados e filmes da televisão ou internet.
Por isso, para dar continuidade à série de artigos sobre Autismo, Linguagem e Fonoaudiologia, penso ser importante trazer para nossa conversa o tema das constantes repetições que podem ocorrer na fala de crianças com autismo, com um pouco mais de detalhamento.
Primeiramente, gostaria de esclarecer que vamos tratar aqui no blog deste e de outros aspectos específicos da comunicação de crianças com autismo separadamente (de forma segmentada), apenas para poder abordá-los de forma mais didática e compreensível para profissionais e também para não profissionais (pais, parentes, amigos e outros).
Desta forma, mesmo abordando características separadamente é importante explicar que o desenvolvimento de linguagem infantil constitui um processo complexo, em que seus diferentes aspectos (verbais e não-verbais) são interdependentes e não podem ser segmentados, senão com o objetivo didático e informativo como é o caso deste texto.
Voltando às explicações sobre as repetições, que são muito observadas na fala de crianças com autismo, há diversos pontos importantes a serem considerados. O primeiro deles é que na literatura científica, há denominações específicas para estas repetições, que podem ser portanto chamadas de Ecolalias.
Vamos começar explicando o que é ecolalia. A ecolalia pode ser definida como a repetição da fala de outra pessoa, como repetição de palavras e frases.
Este fenômeno linguístico vem sendo relatado como característica do autismo, desde suas primeiras descrições realizadas por Kanner em 1943. Foi observado que essas repetições podem ocorrer pouco tempo ou imediatamente após a afirmativa modelo (a fala da outra pessoa). Em outras situações podem acontecer após um tempo significativamente maior de sua produção. Os manuais para diagnóstico ou que descrevem as características do espectro do autismo continuam, evidentemente, mencionando e explicando as ecolalias (APA, 2013).
Mas qual a importância da ecolalia no desenvolvimento de linguagem de crianças com autismo/transtornos do espectro do autismo e como profissionais especializados em desenvolvimento da linguagem infantil podem ajudar?
O desenvolvimento da linguagem é um assunto extenso, complexo e que envolve vários fatores. Assim, não há respostas absolutamente prontas e corretas para todo e qualquer caso. Quando se diz que cada caso é único ou deve ter suas particularidades respeitadas, é disto também que estamos falando. As soluções, estratégias ou dicas práticas sobre a linguagem de crianças com autismo devem obrigatoriamente levar em consideração uma série de aspectos (que serão explicados nos próximos textos da série). Contudo, há evidências científicas e experiências práticas que nos mostram possibilidades e resultados sobre a linguagem no espectro do autismo e sobre como podemos proceder.
O primeiro aspecto que gostaria de mencionar é a importância da linguagem para o diagnóstico e a intervenção precoces. Especificamente sobre a ecolalia, sabe-se que é uma das características mais comumente observadas na comunicação de crianças com autismo/transtornos do espectro do autismo que falam. Por isso, quando a criança apresenta esta característica, pais, cuidadores, professores, pediatras e pessoas que convivem com crianças pequenas necessitam estar atentos a este e a outros aspectos do desenvolvimento, que possam indicar que ela necessita de avaliação realizada por profissional especializado em linguagem.
Quanto mais precocemente a criança com atraso ou alterações no desenvolvimento da comunicação verbal (fala) e não verbal (como por exemplo gestos, expressões faciais, etc) for encaminhada e avaliada de forma adequada, melhores poderão ser suas oportunidades de intervenção precoce e de desenvolvimento. A intervenção precoce é fator fundamental na evolução de crianças com autismo/transtornos do espectro do autismo.
Outro aspecto importante sobre a ecolalia é o fato de ser uma característica mais facilmente identificada por pessoas que convivem com a criança em seu cotidiano, do que outras características presentes na comunicação de crianças com autismo, o que também favorece a identificação mais precocemente.
Além disso, a ecolalia embora conhecida na literatura científica e na prática clínica, ainda traz pontos de discussão sobre sua função comunicativa, o que consequentemente influencia a forma de lidar e intervir terapeuticamente com esta característica e diante de todos os aspectos envolvidos no desenvolvimento da linguagem. Isto quer dizer, que a maneira como o terapeuta entende a linguagem irá influenciar suas ações frente à criança. Por exemplo, se o terapeuta reconhece significado e função comunicativa em uma frase ecolálica, ele buscará compreendê-la em seu contexto comunicativo, atribuir significado e incentivar a criança a expressar-se pelos meios comunicativos que ela possui, sejam eles fala ecolálica ou não. Enquanto que, se o terapeuta entende que não há qualquer significado em uma fala ecolálica, sua forma de agir pode ser tentar extinguir a ecolalia, sem atribuir significado a ela. Estes são apenas alguns exemplos simples (para fácil entendimento) sobre as muitas possibilidades de interpretação e atuação frente à comunicação de crianças com autismo.
Alguns pesquisadores tem mencionado três formas principais de a ecolalia se manifestar, que são denominadas: ecolalia imediata; ecolalia mediata ou tardia; e ecolalia mitigada. A ecolalia imediata caracteriza-se pela repetição da fala de outra pessoa pouco tempo ou imediatamente após a fala modelo. A ecolalia mediata ou tardia, após um tempo significativamente maior de sua produção, por exemplos dias depois. A ecolalia mitigada caracteriza-se por situação em que podem ser feitas modificações da emissão ecoada, seja imediata ou tardia, para fins comunicativos.
É necessário esclarecer aqui, que durante o processo de desenvolvimento de linguagem, a criança faz repetições da fala de outras pessoas que não caracterizam atraso ou alteração. Portanto, quando forem observadas repetições da fala, é necessário observar se há outros aspectos ou características de atrasos de linguagem e dificuldades de interação social associados.
Se houver a suspeita de atrasos ou alterações em outros aspectos do desenvolvimento de linguagem da criança, profissionais especializados devem ser consultados. O profissional indicado para avaliar e intervir terapeuticamente em linguagem infantil é o fonoaudiólogo.
O fonoaudiólogo deve ser consultado assim que o atraso ou dificuldade de comunicação for percebido. Este profissional poderá avaliar em que situação ocorrem as características da linguagem da criança, se está de acordo com o que é esperado para idade da criança, se há outros fatores de atraso no desenvolvimento associados (atraso no desenvolvimento cognitivo e social, por exemplo).
A partir do conjunto de aspectos da comunicação relacionados ao desenvolvimento da criança durante as sessões de avaliação, em interações com familiares, na escola e outras situações do dia a dia da criança, será desenvolvida uma conduta.
A conduta pode englobar desde a intervenção terapêutica, orientações e parceria com pais e professores e/ou encaminhamentos para outros profissionais quando necessário. O fonoaudiólogo não estabelecerá diagnóstico de autismo, pois este tipo de diagnóstico é realizado apenas por profissionais médicos, geralmente neurologista infantil, neuropediatra e psiquiatra infantil. Portanto, o encaminhamento a estes e outros profissionais poderá ser necessário. Além disso, quando possível, o ideal é a realização de uma avaliação multiprofissional e interdisciplinar, em que fonoaudiólogo, psicólogo, médico, terapeuta ocupacional e outros profissionais possam atuar conjuntamente.
O fonoaudiólogo poderá observar as funções comunicativas das ecolalias apresentadas pela criança para aproveitar as situações e contextos para favorecer a interação social e o desenvolvimento da linguagem. Por exemplo: a criança repete a mesma frase com entonação aparentemente idêntica à dita por outra pessoa, mas ao considerar o contexto comunicativo, pode-se observar que ela deseja algo e que a ecolalia apresentada representa por exemplo um pedido. Em outros casos a constante repetição de uma frase indica a recusa em fazer algo e muitos outros são os exemplos de funções comunicativas que podem ser atribuídas às falas repetitivas.
Portanto, a ecolalia pode representar uma forma de comunicação ou de manter contato social. Pesquisas relatam que a ecolalia pode ocorrer quando a pessoa é confrontada com uma linguagem além de suas competências linguísticas ou como um fator prognóstico positivo. Esses dados nos alertam para o fato de que a ecolalia pode vir acompanhada de intenção comunicativa ou não, dependendo do contexto em que ocorre. Tal evidencia despertou o interesse em investigar a ecolalia na prática clínica educacional, bem como variáveis linguísticas e contextuais que possam influenciar na sua ocorrência.
O fonoaudiólogo poderá realizar investigações cuidadosas sobre a comunicação da criança com autismo em seus diferentes contextos de vida (em casa, na escola e outros) e desenvolver orientações e parcerias com os que convivem com ela, para que a intervenção não fique restrita ao contexto de terapia e para que as oportunidades de comunicação sejam favorecidas da melhor maneira possível.
SEJAM SEMPRE BEM VINDOS AQUI! OS SENHORES SÃO MEUS CONVIDADOS E FIQUEM À VONTADE PARA DEIXAR SEUS COMENTÁRIOS SE ASSIM DESEJAREM! ABRAÇOS! Drª MARIA CLAUDIA BRITO
Referências
American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (5ª ed.). Arlington, VA: American Psychiatric Publishing, 2013.
Brito, Maria Claudia; Carrara, Kester. Alunos com distúrbios do espectro autístico em interação com professores na educação inclusiva: descrição de habilidades pragmáticas. Rev. soc. bras. fonoaudiol. [Internet]. 2010; 15( 3 ): 421-429.
Wetherby, AM. Ontogeny of Communicative Functions in Autism. J of Speech and Hear Disor. 1986;3(16):295-316.
Dobbinson S; Perkins M; Boucher J. The interactional significance of formulas in autistic language. Clin Linguist Phon. 2003;17(4-5):299-307.
Maria Claudia Brito - É Fonoaudióloga CRFa 12921, com Pós-Doutorado e Doutorado ( em Educação) e Mestrado (em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem) com as pesquisas nas áreas de Autismo e Linguagem, pela Universidade Estadual Paulista-UNESP. Artigos e Livros na área de Autismo. Criadora do Instituto Nacional Saber Autismo. Seu Canal no Youtube é indiscutivelmente um dos maiores canais focados em Autismo do país em número de assinantes e suas postagens alcançam milhões de pessoas segundo o Facebook.