O TDAH ou Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade é um transtorno mental inequívoco, porém pode ser complexo, irreverente, instigante, abrangente e heterogêneo. Sua interface camaleônica e com potencial de vir acompanhado de um ou mais transtornos psiquiátricos desafia e aguça a nossa capacidade e o nosso saber, pela frequência com que torna o diagnóstico do TDAH um real desafio à prática<
O TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE- TDAH E A INTERFACE NA VIDA AMOROSA
O TDAH ou Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade é um transtorno mental inequívoco, porém pode ser complexo, irreverente, instigante, abrangente e heterogêneo. Sua interface camaleônica e com potencial de vir acompanhado de um ou mais transtornos psiquiátricos desafia e aguça a nossa capacidade e o nosso saber, pela frequência com que torna o diagnóstico do TDAH um real desafio à prática clínica diária e assim, com demanda de profissionais com expertise para seu o diagnóstico e tratamento.
Atualmente, pelos critérios do DSM-5 (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 2013) o TDAH é considerado um transtorno persistente de sintomas de desatenção e ou hiperatividade e impulsividade; que interfere diariamente no funcionamento e ou desenvolvimento da pessoa; por pelo menos seis meses; em grau inconsistente com o nível de desenvolvimento; e que gera um impacto negativo sobre os seus relacionamentos (na escola, em casa, no namoro, nas relações conjugais, no ambiente de trabalho), atividades sociais, esportivas, acadêmicas e ou profissionais; sintomas presentes a partir dos 12 anos de idade; sintomas presentes em dois ou mais contextos; clara evidência de sofrimento, prejuízo e ou interferência na qualidade de vida do indivíduo, nos mais variados graus de intensidade.
O TDAH é um transtorno mental do neurodesenvolvimento, portanto, costuma ter início precoce na vida, e, ao contrário do que se pensava no passado, evolui com sintomas na vida adulta em aproximadamente 70% dos casos. Acomete, em média, 5% de crianças e adolescentes e 4% dos adultos, com prejuízos em vários setores, inclusive na esfera conjugal, que é o foco do presente artigo. Pessoas com TDAH, quando comparadas às que não tem o transtorno, têm maior dificuldade no controle da atenção, hiperatividade e impulsividade. Nelas, as atividades cerebrais responsáveis pelo comportamento, organização e autocontrole estão comprometidas, interferindo nas tarefas básicas do cotidiano. Entre os problemas de origem neurobiológica, provavelmente o TDAH é o que mais contribui para as dificuldades interpessoais entre marido
A incapacidade básica de “prestar atenção”, típica do TDAH, pode gerar uma gama de comportamentos “mal vistos” dentro de um relacionamento amoroso, como: não ouvir o outro; não perceber os sentimentos do outro; não notar um cabelo cortado, uma roupa nova, etc., não lembrar datas e/ou acontecimentos importantes do casal; não dividir as tarefas de casa; não guardar/arrumar seus pertences em casa; esquecer encontros previamente agendados com o cônjuge; impontualidade nos encontros, entre outros. Também, pelas disfunções neurobiológicas presentes no TDAH, seus portadores são cerca de 30% mais imaturos.
É comum, no dia-a-dia, o cônjuge (sem TDAH) se queixar de cansaço e ansiedade no relacionamento além da vivência de estar lidando “com um filho”, e não com um parceiro/a, de quem se espera um compartilhamento dos ônus e bônus da relação. Indivíduos com TDAH costumam ser impacientes, inconstantes, irritadiços e explosivos (pavio curto). Se estiverem de mau humor podem não controlar a raiva e agirem desproporcionalmente à situação.
A presença dessas características em uma mesma pessoa costuma dar (ou pode dar) a impressão de falta de amor e desconsideração pelo outro, enfim. Ainda, a cabeça cheia de pensamentos desorganizados/caóticos e a dificuldade no gerenciamento do tempo (sintomas de TDAH) acabam por prejudicar a intimidade do casal e a disponibilidade de tempo suficiente à relação, requisitos importantes para a manutenção dos relacionamentos de modo em geral. Em consequência, é comum que o parceiro seja percebido como uma pessoa fria, insensível, egoísta e hedonista, características nada desejáveis a um relacionamento saudável.
A impulsividade, usualmente presente, piora ainda mais a relação, pelas decisões muitas vezes tomadas sem consultar o parceiro/a. Pode ocorrer também que ele/a se “esqueça” de comunicar algo importante, por achar que já o fizeram. Pelo jeito “avoado” de ser, o parceiro com TDAH tende a “esgotar” o outro. Por se tratar de uma disfunção executiva, o TDAH promove um estado deficitário nas ações voluntárias de modo geral, especialmente na memória, planejamento, organização, gerenciamento do tempo e emoções, como se pode observar pelos exemplos citados. Seus atos estão na dependência da motivação e sensação de prazer e recompensa imediatas, por isso costumam ser passionais e inconstantes. No início, o relacionamento pode ser “regado a mimo, atenção e paixão sem fim”. Mas, em pouco tempo, pode vir uma sensação de fastio, “tédio”, impaciência e/ou intransigência, associados à sensação de “entorpecimento”, indiferença e/ou de total descaso, até que uma nova atração/desafio surja com mais novidade e “adrenalina” ponha novamente em teste a capacidade de sedução e prazer daquele parceiro/a.
Daí se originam a compulsão por atividades de risco e a sensação de tédio por atividades difíceis, monótonas, burocráticas, repetitivas, muito fáceis e também às que demandam maior responsabilidade e resiliência, quesitos tão necessários à manutenção do quanto à atividade sexual, as queixas também costumam ser frequentes. Talvez a queixa mais comum seja a de falta de intimidade sexual genuína. Para isso, é preciso que o parceiro se desligue de tudo e que se “foque no momento/ato”, tarefa sabidamente complexa para quem tem o TDAH. À menor dificuldade, pode surgir uma sensação de tédio sexual, já que a perda de interesse por “rotinas” e a busca por “parcerias” estimulantes (perigosas/de risco) são a tônica no TDAH. Esse sentimento pode ser uma das razões para as altas taxas de divórcio observadas entre casais onde um dos cônjuges tenha o TDAH. Fácil de entender, o cônjuge (“marido ou mulher”) sem o TDAH, frequentemente relata solidão e falta de compromisso e cumplicidade na relação, pontos fortes de um relacionamento saudável e duradouro.
Lamentavelmente, os problemas de saúde mental são pouco divulgados em nossa sociedade, e não raro, os portadores desses transtornos e seus familiares costumam pagar um alto preço devido a este desconhecimento. É o caso do TDAH, onde as pessoas acometidas agem assim por conta de um comprometimento neurobiológico, e não por gosto ou por escolha. O fator que mais contribui para desentendimento entre casais é, sem dúvida, a falta de informação.
Sem ser entendido, o TDAH jamais será incluído entre as hipóteses diagnósticas, em casos de sofrimento conjugal. Ao ignorar que o modo de agir do parceiro/a está intimamente ligado ao fato de ele/a ter um problema neurobiológico (e que tem tratamento eficaz), faz toda a diferença. O processo de informação sobre as características do TDAH e de como lidar com ele, satisfaz a ambos os cônjuges, acarretando o fortalecimento dos vínculos afetivos da relação.
Evelyn Vinocur -
Médica Psiquiatra de adultos e da Infância e Adolescência. Mestre em Neuropsiquiatria pela Universidade Federal Fluminense UFF. Especialista em Psiquiatria Clínica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ. Psiquiatra da Infância e Adolescência pela Santa Casa de Misericórdia do Estado do Rio de Janeiro SCMERJ. Médica associado da Associação Brasileira de Psiquiatria ABP.